Na hora de pedir comida por aplicativo, pouca coisa é mais satisfatória do que ver a palavra “grátis” escrita no campo deveria estar o preço da entrega. Ou receber um novo cupom que tirará dez, vinte reais do valor total do seu pedido. Uma pessoa que paga menos é uma pessoa feliz.
Esses benefícios fazem muita diferença quando se trata de decidir qual aplicativo usar. De acordo com a pesquisa Mercado de Delivery no Brasil, da Opinion Box, 79% dos consumidores já desistiram de uma compra por causa da taxa de entrega. A gratuidade é apontada por 57% como fator determinante na escolha de um aplicativo; cupons de desconto vem logo atrás, destacados por 51%.
Preço importa. Não tem como contornar isso. Plataformas maiores, portanto, terão mais vantagem para atrair e reter usuários. Afinal, o tamanho e o investimento recebido permitem a oferta mais frequente dos benefícios já mencionados. Quem se aventura no mercado de delivery sem ter essa estrutura fatalmente encontrará mais dificuldade para crescer.
Mas nem todo mundo que busca espaço está atrás desse tipo de crescimento. Existe a opção de jogar um jogo diferente, abraçando o status de alternativa.
“Como uma empresa que faz 60 milhões de pedidos por mês tem prejuízo?”
No Tecnocast 288, conversamos com Pedro Saulo, um dos fundadores do AppJusto. O serviço, que até o momento opera apenas na cidade de São Paulo, começou a funcionar em 2021, e tem uma lógica bem diferente de outros players do setor. Em especial do iFood, que detém 80% do mercado.
Para começar, o AppJusto cobra menos dos restaurantes. No iFood, o valor cobrado por pedido varia entre 16% e 25%, mas pode chegar a 30%, segundo a Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes). Para lidar com a perda dessa fatia, os estabelecimentos a repassam, ao menos em parte, para a outra ponta da cadeia: o consumidor. Resultado: pratos mais caros.
No AppJusto, a taxa é de 5%, mais 2,42% da operadora financeira. Pagando menos para a plataforma, a ideia é que o restaurante pratique valores menores no aplicativo.
O segundo diferencial tem a ver com os entregadores. No AppJusto, eles recebem um valor mínimo de R$ 10 por corrida em percursos de até 5km; após isso, soma-se R$ 2 por quilômetro rodado. Para comparação, a rota mínima no iFood rende R$ 6 ao entregador.
Outro aspecto importante: nada de entrega grátis. Na perspectiva de Saulo, entrega nenhuma é de fato gratuita, já que o dinheiro precisa sair de algum lugar. Segundo ele, os restaurantes são frequentemente incentivados — “Para falar uma palavra bonita”, acrescenta — a oferecer esse benefício, assim como os famosos cupons de desconto.
Pode parecer arriscado se lançar no mercado de delivery sem a principal isca de atração de usuários. Saulo, no entanto, chama a atenção para a sustentabilidade desse modelo, que não está restrito ao iFood.
A gente vê essas plataformas de entrega ultrarrápida entrando, todas elas seguem o mesmo modelo, que é de dar cupom de entrega grátis, mais R$ 40 de desconto no pedido… Enquanto tá com esses subsídios, as pessoas vão comprando, eu acho que faz todo sentido. Só que isso não é sustentável. Não tem como você manter isso pra sempre.
Nesse ponto, é inevitável trazer o iFood de volta para a conversa.
Até um tempo atrás, eu vi que eles (iFood) ainda tinham prejuízo. Como uma empresa que faz 60 milhões de pedidos por mês tem prejuízo? É muito porque tem essa tendência do mercado de “winner takes all”: vou dominar o mercado inteiro, depois eu vejo como ganhar dinheiro.
A pergunta sobre prejuízo é válida. No ano fiscal de 2022, encerrado em março do ano passado, o iFood teve prejuízo de R$ 200 milhões. Melhorou nos semestres seguintes: o prejuízo caiu para R$ 59 milhões.
A solução é ser pequeno?
A essência da estratégia do AppJusto é não tentar ser, de fato, um concorrente de iFood e afins. Como uma “startup enxuta”, na descrição de Saulo, seria possível operar saudavelmente sem depender de entrega grátis e cupons. Na prática, isso significa um público menor, talvez mais sintonizado com a “causa” da plataforma.
É o que Saulo chama de “consumidor consciente”. Trata-se de alguém que percebe valor em comprar numa opção alternativa à dominante, e toma a decisão consciente de pagar um pouco mais para que os participantes da cadeia sejam melhor remunerados.
Isso porque, pagando mais ao entregador, o valor dos pedidos tende a subir. Os restaurantes têm incentivos para cobrar menos — afinal, a fatia cobrada pelo aplicativo é menor —, mas não são obrigados a fazê-lo, nem necessariamente descontam tudo que pagariam no iFood do valor do prato.
Assim, uma solução como o AppJusto tende a atingir um público mais restrito. Entra em cena novamente a ideia de ser enxuto: a operação precisaria de algo em torno de 30 a 40 mil pedidos por mês para se manter sustentável. Bem menos que os milhões do iFood.
Por essa ótica, a alternativa ao modelo dos grandes aplicativos é ser, de fato, alternativo. E, mesmo assim, ainda há desafios para fazer a conta fechar (recomendamos ouvir o Tecnocast 288 para entendê-los em detalhes). Mas talvez esse seja o caminho para um mercado de delivery um pouco mais diverso: um número maior de players menores.
Porque os maiores, ou um pouco maiores, não estão tendo vida fácil. O Uber Eats optou por encerrar sua operação de delivery em 2022, citando práticas anticoncorrenciais do iFood como um dos motivos; em março desse ano, foi a vez do 99 Food anunciar sua retirada. O cenário é de mais e mais concentração, portanto.
Resta acompanhar para saber se, mantendo um escopo menor, soluções como o AppJusto vão conseguir se sustentar no longo prazo sem apelar para o impulso mais básico do consumidor: pagar menos.