Entre no YouTube e pesquise por “produtividade” ou “organização”. Entre os resultados, você encontrará muitas recomendações de aplicativos ou dicas de como usar a ferramenta X ou Y para driblar a procrastinação e se tornar um profissional (ou pessoa) melhor.
Faz sentido. Trello, Notion, Todoist e outras tantas soluções são realmente úteis em diversos contextos. Cada uma tem suas qualidades e defeitos, assim como detratores e defensores fieis, mas é inegável que, se desejamos ser mais organizados, ferramentas como essas tendem a ajudar.
Tanto é assim que muitas delas, inicialmente criadas para o contexto do trabalho, começaram a ganhar usos mais amplos. Uma matéria recente do MIT Technology Review ilustra isso ao apontar pessoas que planejam a vida inteira através do Notion. Tudo: das tarefas profissionais às demandas pessoais, passando pelo controle dos filmes e séries já assistidos.
“Conheça O MELHOR aplicativo de tarefas e produtividade”, promete um vídeo. “Como organizar a sua vida no Aplicativo X”, diz outro. É quase como se o estado ideal de organização estivesse a uma ferramenta de distância. Na prática, a coisa tende a ser mais complicada do que isso.
A lista de tarefas e a lista da vergonha
Nossa relação com as diversas soluções disponíveis para tarefas, notas e controle de agenda foi o tema do Tecnocast 289. O que fica claro no episódio é que as promessas de que um determinado aplicativo vai resolver os seus problemas são um tanto exageradas.
Primeiro devido ao aspecto essencialmente pessoal da coisa. Podemos passar horas discutindo os prós e contras de cada ferramenta de organização e produtividade e não chegar a um acordo sobre qual é a melhor.
O Notion, por exemplo, é amado por muitos pelo alto grau de customização, mas detestado por outros tantos pelo mesmo motivo. Da mesma forma, o Evernote pode ser considerado limitado demais por quem prefere Todoist ou Google Keep.
A verdade é que usamos aquilo que funciona para nós, não necessariamente convencidos por argumentos a respeito de design ou melhores funcionalidades, mas simplesmente por uma afinidade com certos apps. Cada um tem seus rituais e preferências, por vezes incompreensíveis para outros.
Em segundo lugar, há que se considerar o método utilizado. Uma ferramenta é apenas metade do caminho, o local onde se concentra o fluxo de tarefas, anotações e demais elementos com os quais é necessário lidar. Sem um sistema, estaremos apenas nos desorganizando numa plataforma diferente.
Esse processo é descrito no ótimo artigo “Hundreds of Ways to Get S#!+ Done—and We Still Don’t”, da Wired. O autor, Clive Thompson, descreve esse processo da perda de controle sobre as próprias tarefas. Você até consegue se entender bem com uma ferramenta por um tempo, mas em algum momento o trem sai dos trilhos.
A lista de afazeres não concluídos se torna, então, uma lista da vergonha. E a reação de muitos de nós a isso pode ser a desistência completa: largar o aplicativo em questão, deixando para trás as tarefas incompletas, e tentar outro. Vai que dessa vez dá certo.
Mas essa é uma dificuldade nossa, não dos aplicativos. Thompson, que tem conhecimentos de programação, chegou a desenvolver o seu próprio app, e nem assim o problema teve fim. A lista da vergonha ainda voltava para assombrá-lo.
O aplicativo perfeito não existe
Um dos motivos desse impulso de abandonar uma solução de produtividade após perder o controle sobre as próprias tarefas pode estar na própria facilidade de usar os aplicativos.
Basta um clique para inserir uma nova tarefa no seu fluxo de trabalho. Adicionar uma anotação entre as várias que você já tem salvas é igualmente simples. A ausência de fricção faz sentido do ponto de vista do usuário. Afinal, você não pode perder tempo num dia corrido: é abrir o app, acrescentar a demanda e pronto.
Dá até para entender de onde vem esse raciocínio. Nosso foco tende a se fixar em tarefas não concluídas. É o que constatou a psicóloga Bluma Zeigarnik numa série de experimentos conduzidos na década de 1920. Sendo assim, a ideia de criar novas tarefas ou lembretes para si mesmo funciona como um estímulo para que a atenção não se afaste daquele afazer específico.
Só que isso pode acelerar a descida para o caos. Novas tarefas vão sendo inseridas desordenadamente, e anotações ficam soltas e sem uma conexão clara umas com as outras. Pode parecer que jogar tudo num aplicativo vai tornar os processos mais fáceis, mas organizar as coisas não é apenas isso.
Daí a importância de um método que funcione para você. No Tecnocast 289, discutimos o GTD, muito recomendado por membros da bancada. Se você é daqueles que fazem muitas anotações, há sistemas específicos até mesmo para isso, como o Zettelkasten. Não faltam métodos para tornar o uso das ferramentas mais proveitoso.
Infelizmente, não há um aplicativo milagroso, por melhores que sejam as opções disponíveis. Não se deixe enganar pelas thumbnails e títulos chamativos do YouTube.